Realização: Manoel de Oliveira
Argumento: Manoel de Oliveira (adaptação da obra “Meninos Milionários” de João Rodrigues de Freitas)
Produtor: António Lopes Ribeiro
Ano: 1942
Duração: 71 minutos
O filme regressou, em cópia renovada, às salas de cinema a 8 de Dezembro de 2010. A acção esteve associada ao lançamento do filme em DVD pela primeira vez, em versão restaurada e remasterizada em alta-definição (a versão que apresentamos). Manoel de Oliveira, o mais velho realizador do mundo ainda em actividade, cumpriu 102 anos no dia 11 de Dezembro de 2010.
A história é simples, real, ambientada no mesmo cenário de Douro, Faina Fluvial a zona ribeirinha do porto e Gaia. Dois garotos, o Carlos e o Eduardo, gostam da mesma miúda, a Teresinha. Um é audacioso, brigão, atrevido; o outro é tímido, bom, sossegado. A rivalidade vai-se acentuando e, um dia, para agradar à sua (namorada), Carlos rouba, uma boneca. Teresinha sente-se inclinada para ele até que um dia, numa inocente brincadeira, Eduardo escorrega por um talude e cai ao lado de um comboio que passa. Todos pensam que Carlos o empurrou e todos passam a afastar-se dele, enquanto Eduardo sofre numa cama de hospital. Carlos pensa fugir num barco ancorado no cais de Massarelos mas tudo se esclarece por intervenção do dono da "loja das tentações" que vira o acidente e que, no final tira todas as suspeitas de cima de Carlos. E os garotos poderão de novo jogar aos polícias e ladrões, ao jogo do Aniki-Bobó.
Luís de Pina in Breve História do cinema Português
Que poderei dizer do Aniki-Bóbó? Que terei para dizer? Se o fizesse hoje, fá-lo-ia, certamente bem diferente. Porque eu penso que os petizes já não fazem hoje aquelas mesmas coisas que fizeram a história do Aniki-Bóbó? Não, por essa razão não, de forma alguma. Neste ponto entendo hoje exactamente como então, quando fiz o filme. Continuo convencido de que os garotos daquela idade, hoje como ontem, procederiam identicamente em idênticas circunstâncias. Mas, repito, se voltasse ao mesmo assunto, faria hoje, certamente, coisa bem diferente. Porque quem mudou, ou julga ter mudado e muito, fui eu.
Intenções em Aniki-Bóbó? sim, certamente. E até ambiciosas, talvez. Ao tentar contar uma história tão simples como esta, pretendeu-se fazer espelhar nas crianças os problemas do homem, problemas ainda em estado embrionário; pôr em oposição concepções do bem e do mal, o ódio e o amor, a amizade e a ingratidão. Pretendeu-se sugerir o medo da noite e do desconhecido, a atracção da vida que palpita em todas as coisas à nossa volta, contrastando com a monotonia do que é fechado, limitado por paredes, pela força ou pelas convenções. Se se entrevê ou se sente, no decorrer do filme, qualquer aspecto de carácter social ou económico, o certo é que isso nunca foi ponto fundamental de estrutura ou construção. Como já não o era em “Douro, faina fluvial”. Quando muito, em “Aniki-Bóbó”, intencionalmente, mas muito ao de leve, pretendi sugerir uma mensagem de amor e compreensão do semelhante, como advertência a uma sociedade que luta e se desespera em injustiças
Declaração de Manoel de Oliveira ao Cine-Clube do Porto,
para o Programa nº 183 de uma sessão dedicada ao cinema português em
que se exibiram os filmes “Lucros...ilícitos” e “Aniki-Bóbó” em 19/12/1954
Manoel de Oliveira tem acerca do cinema uma concepção especial, que considero a verdadeira. Diz ele que a possibilidade que o cinema tem de “enlatar” seja o que for, o tem enganado a ele próprio. O cinema tem evidentemente limites e a dificuldade de fazer filmes está exactamente em ter a consciência desses limites. Ora Manoel de Oliveira é, quanto a mim, o mais dotado de todos os, que em Portugal fazemos cinema, por ter a consciência exacta desses limites. Para ele exprimir-se cinematograficamente é tão natural como para outros escrever ou falar. Este seu primeiro grande filme (refiro-me à metragem) revela pelo menos uma sensibilidade eminentemente poética posta ao serviço do cinema português. Ainda que fosse só por isso Aniki-Bóbó tem um significado muito especial dentro da aventurosa história do nosso cinema, mas além disso a reaparição de Nascimento Fernandes, esse espantoso actor e a revelação de um grupo de miúdos desta cidade em que o público vai encontrar verdadeiras vocações, acrescenta mais ainda o interesse desta apresentação.
Jorge Neves, Aniki-Bóbó: 50 anos, Porto: Delegação Regional da Cultura do Norte, 1992
Esta fita é uma infame cilada armada à inocência das crianças e à imprevidência dos pais. É uma verdadeira monstruosidade.”
Jornal “Cidade de Tomar” de 24/01/1943
Manoel de Oliveira construiu uma história de amor infantil como fulcro e articulou neste alguns dos elementos que constituem parte da vivência psíquica de garotos daquela idade e daquele viver: o tédio de uma escola arcaica, mas ainda corrente entre nós, o medo da polícia, as lendas que envolvem o mistério da morte, o jogo dos polícias e ladrões.”
Rui Grácio, em “Horizonte” de 13/01/1943
Uma tarde de Agosto, fez este verão um ano, Manoel de Oliveira leu a algumas pessoas, entre as quais me encontrava, a história de Aniki-Bóbó que não tinha ainda este título tão impopular. A história foi discutida durante horas e Manoel de Oliveira defendeu-a com entusiasmo de quem havia imaginado e desenvolvido. Quanto a mim, considerei-a, desde logo, anti-comercial – e demasiadamente literária para poder suportar a “ampliação” humana que a tela, necessariamente lhe conferiria. Procurámos convencer Manoel de Oliveira que a sua história carecia de verdade humana e que, com outro desenvolvimento, que unisse aquelas crianças em torno de uma boa acção, lhe faria perder o ar de “Dead End Kids” tripeiros, com vantagem para o espectáculo e para a acção construtiva de que o filme, e sobretudo o filme português não deverá alhear-se. Esta norma é tanto mais para ponderar quando se trata do chamado “cinema sério”, do cinema em que se faz Arte pela Arte.
Fernando Fragoso, em “Vida Mundial” de 07/01/1943
De uma grande honestidade, com pedaços de límpido cinema, tudo bem equilibrado, interpretação admirável, cingida, certa, expressividade, este filme dá o encanto das coisas despretenciosas e belas, no seu aprumo de simplicidade emotiva, recortada duma intenção social irónica e popular. Um artista, muito artista, este Manoel de Oliveira.
Poeta António Botto, em Jornal “Os Sports” de 04/01/1943
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